Maria Nebulosa - A Historia da Conquista



Maria Nebulosa 



Dia 30 de maio de 2002. Primeira viagem para levar material:
Amparados por um seleto grupo de amigos “Sherpas”: Alexandre Cordeiro, Alessandro Emerson, Tânia Carvalho, Anita Soares, Ceni Fernandes, Marcelo Dias, Daniela Cordeiro, mais eu “Alex”, Fernandes, Rafael e Pedro (Eu, Rafael, Cordeiro, Pedro e Alessandro, nos empenhamos em levar para base, o material que usaríamos para a conquista; 300 metros de corda, 20 costuras, 30 mosquetões avulsos, 20 mosquetões de rosca, 2 furadeiras Bosch, 5 baterias seladas, 80 proteções fixas (grampos e chapeletas), 3 punhos, 3 marretas, cadeirinhas, ascensores, capacetes, sacos de dormir, barraca, portaledge, mais infinidade de pequenos itens. Em media cada um carregava 7 kg, levamos cerca de 1h:30 do local onde deixamos os carros ate a base da escalada. Enquanto Fernandes e Pedro arrumavam o material, eu e Rafael, iniciamos a conquista, nosso objetivo principal era conquistarmos pelo menos uma enfiada (50 metros) para podermos deixar o equipamento pendurado na parede. Essa primeira enfiada não ofereceu muita dificuldade, 3º, 4º, aderência, dois grampos, mas um friend para passar uma barrica, antes de chegar na parada. Rebocamos o equipamento para cima e lá pelas 14h:30 estávamos retornando para casa.

 

Dia 02 de Junho. O inicio:
Deveríamos ter partido no sábado de manhã, dia 1º, mas para evitarmos correria e vir a descobrir na base ou na parede que havíamos esquecido alguma coisa, Fernandes e eu resolvemos adiar a conquista para o domingo, para revisar material, o que deixou Pedro e Rafael meio frustrados. Mas assim foi melhor todos estávamos muito ansiosos e o sábado serviu para relaxar.
Então no domingo estávamos no inicio da trilha que leva a Face Leste da Maria Comprida, novamente amparados pelos amigos, Tânia, Anita, Cordeiro, Leandro “Bidu”, Natália, Ricardo, Fabíola, e João Henrique “Ike” (Timbuk). Fernandes, Rafael e Pedro saíram primeiro e foram se adiantando, quando chegamos a base as 11h:45, com um grupo mais retardatário, eles já estavam na parede conquistando. Os amigos não ficaram muito tempo e logo partiram, deixando nós quatro sozinhos na imensidão daquele vale com a difícil missão de conquistar 1000 metros de parede, até então não havia nenhuma via com essa extensão no Brasil. Enquanto Fernandes e Rafael conquistavam, Pedro e eu arrumávamos o nosso acampamento, montamos a barraca o portaledge, preparamos as mochilas com o material (água, comida, equipamento de conquista) que iria subir para a parede. Terminamos o nosso serviço já próximo do anoitecer, com Rafael e Fernandes contabilizando 370 metros de parede conquistada 4+ de aderência, eu e Pedro conseguimos levar 30 litros de água e comida para até a quarta parada. Já no fim da tarde enquanto os demais finalizavam a arrumação do acampamento eu preparava o jantar, que seria nossa primeira refeição desde o café da manhã, jantamos, jogamos conversa fora, e finalizamos o plano de ataque para o dia seguinte, 20h:00 já estávamos deitados tranquilamente.

Eu no final do costão, Fernandes subindo ao fundo

Dia 03 de junho. Trabalhando duro:
Acordamos as 5h:30, para dar inicio ao dia mais pesado de todos. Enquanto tomávamos nosso café acompanhávamos o inicio do jogo da seleção brasileira, era Copa do Mundo e Rafael havia levado uma televisão de duas polegadas, ainda não estávamos na época dos smart fones. Fernandes e eu fomos os primeiros a subir. Nós dois conquistaríamos enquanto Rafael e Pedro rebocariam o material parede acima (70 litros de água, comida para 6 dias, e sabe-se lá mais o que). Fernandes e eu seguimos jumareando até a sétima enfiada, depois escalamos mais uma que não havia sido encordoada, me equipei, nas costas a mochila com a furadeira mais duas baterias seladas (uns 9kg), muito desconfortável, mais cliffs, marreta, soprador, grampo, chapeletas, costuras...
A parede não oferecia nenhuma dificuldade, no Maximo 3+, estiquei a corda toda (50 metros) até um pequeno platô de mato, tirei a furadeira da mochila coloquei a broca encostei a ´´bichinha`` na parede, apertei o gatilho e..... nada, apertei o gatilho de novo e .... nada, coloquei e recoloquei todos os cabos que a adaptavam às baterias seladas e nada da furadeira funcionar, como não tinha mais com o que furar o jeito foi chamar o Fernandes dando segurança de platô (dos pequenos), pedindo para ele não cair, Fernandes trouxe o batedor manual, para então poder bater um grampo de meia, depois de colocar o grampo descemos para P6  onde estava ficando todo material que trazíamos da base, deixamos a furadeira lá com um bilhete para o Rafael, avisando-o de que ela não estava funcionando. Pegamos a outra furadeira (que estava funcionando) e subimos novamente para conquistar. Continuamos conquistando, esticando a corda de parada em parada sem nenhuma proteção intermediaria, conquistamos cinco enfiadas até chegar na grande canaleta (trecho original da primeira via conquistada na Maria Comprida no  inicio da década de 30). Desde ponto, pudemos visualizar o local do nosso primeiro acampamento na parede, uma região da parede com bastante vegetação onde seria possível arrumar um bom platô para bivacar. No entanto, seria preciso trazer grande quantidade de material de P6 para P13, teríamos que rebocar material para pelo menos mais dois dias (foi o tempo que eu e Fernandes calculamos que levaríamos para terminar a via). Fernandes e eu voltamos para P6, e demos as boas novas para Pedro e Rafael. Pelas nossas contas seriam necessários 24 litros de água, comida para dois dias, mais o equipamento individual de cada um (roupas, saco de dormir), portaledge, fogareiro. Rafael e Pedro já tinham desde cedo feito três viagens entre a base e P6, ou seja, já haviam subido jumareando 900 metros de parede, carregando uns 10 kg de material nas costas, de cada vez. O plano agora era eu e Fernandes subirmos novamente até P13 fixando as cordas, já que cedo não fixamos nenhuma, pois todas estavam sendo usadas por Rafael e Pedro. E foi o que fizemos, subimos até P13, com o segundo já levando uma mochila bem pesada, eu Fernandes íamos na frente com Rafael e Pedro vindo um pouco mais atrás, quando chegamos em P13 descarreguei minha mochila e desci novamente para P6 e Fernandes e Rafael Fizeram a mesma coisa. No final das contas jumareamos cerca 1100 metros de parede nesse dia. Do lado da grande canaleta montamos nosso acampamento, Pedro e Rafael penduraram o portaledge na parede enquanto eu e Fernandes nos revezávamos para cavar e transformar um buraco de “coelho” em uma caverna com um platô que coubesse duas pessoas, batizamos o local de buraco do escorpião, não que houvesse algum, mas como o lugar era muito feio foi o nome que se adaptou melhor.

 
      Rafael conquistando a 15ª enfiada                                                           Eu e Fernandes na P17

 Dia 4 de junho, O cume:


O dia começou com belo nascer de sol, um dos mais bonitos que já vi na vida. Foi nosso premio por termos nos esforçado tanto no dia anterior, levantamos juntos com o sol e cedo nos atiramos à parede. Rafael foi quem assumiu a ponta da corda, ele conquistou aquela que com certeza foi a mais difícil enfiada da via 4º, 4+, com uma passagem por um pequeno teto antes de chegar na parada, lance que Rafael protegeu com um friend na fenda por baixo do tetinho, passou por ele e depois, estabeleceu a 15ª parada. A enfiada seguinte foi do Fernandes, que depois de tentar me matar (jogou uma pedra que se dividiu em duas passando um pedaço de cada lado de minha cabeça), achou uma exótica e oxidada proteção (tipo das usadas em cabo de aço), provavelmente alguma tentativa de se conquistar uma variante da canaleta, no entanto não encontramos mais nada parede acima ou parede abaixo, que justificasse a presença daquele artefato ali, como chegaram até aquele ponto para bater ela? Levitação? Um ancestral do Alex Hannold “mistério”! Continuamos conquistando, 3º, 4+, com proteções só de parada em parada (Fernandes e Pedro vinham atrás com a outra furadeira intermediando os esticões), sol forte, pedras soltas, Rafael e eu nos revezamos na conquista das quatro ultimas enfiadas, como nos dias anteriores ao se chegar no final da corda o guia colocava um parabolt de 8mm, chamava o participante, e seguia conquistando, quando chegava o terceiro escalador este duplicava a parada colocando um grampo de meia. Escalávamos em ritmo acelerado, pois o tempo, que até a pouco estava bom, agora dava sinal de querer mudar, com nuvens escuras vindo do norte, a ultima enfiada seria minha, mas acabei cedendo a vez para o Rafael, depois de três dias intensos finalmente as 13h:00 chegamos ao cume, onde infelizmente não encontramos nenhum vestígio do livro de cume da Maria Comprida, mas sim muito sujeira. Ficamos lá por cerca de meia hora e depois descemos novamente para nosso acampamento avançado, aproveitando para bater algumas proteções intermediarias na descida. Chegamos ao acampamento as 16h:00, onde passaríamos, como já havíamos combinado, mais uma noite. Comemos muito, vimos televisão.  Rafael foi quem fez a comida, o plano era comer muito para diminuir a carga do dia seguinte, o prato da noite foi macarrão instantâneo, molho a bolonhesa e atum, não combina muito, mas deu para matar a fome. Como a água já estava no fim (só restavam dois litros para quatro pessoas), mais água só em P8, ninguém lavou a louça, comemos a sobremesa e fomos dormir.

Rafael Wojcik Jumareando

Dia 5 de junho. O retorno:
De madrugada ventou muito, chegamos a pensar que iria chover, mas o nascer do sol acabou sendo mais espetacular do que o do dia anterior, se via com facilidade os Três Picos, Garrafão, Mãe d`água, Açu, toda Serra dos Órgãos. Tomamos café e começamos a desmontar nosso acampamento, enfiamos tudo em nossas mochilas e nos preparamos para descer. Foi aí que surgiu nosso maior problema em toda escalada, colocar a mochila nas costas, cada mochila devia estar pesando, sem exagero, 35Kg, era impossível levantá-las e colocá-las  às costas. Em 10 anos de montanhismo isso nunca havia me acontecido, sempre consegui erguer a mochila e colocá-la às costas, mas desta vez era necessário sentar na frente da mochila colocá-la e ficar de pé. Rapelar foi uma tortura, seiscentos metros de rappel, carregando aquele trambolho nas costas. Chegando a base descansamos um pouco e ligamos para chamar nosso resgate, caminhamos até encontrar o caminho da trilha Araras x Secretario, onde depois de 10 minutos de espera chegou nosso carro de resgate.

Eu (Alex), Pedro, Fernandes e Rafael.

Via: Maria Nebulosa: 3º lV+ E4 1040 metros

Conquistadores: Alex Ribeiro, Jorge Fernandes, Rafael Wojcik, e Pedro Miranda
Data da conquista: 04/06/2002
Proteções Fixas: 25 grampos de ½”, 34 chapeletas com parabolt de 8mm 
Material necessário: 2 cordas de 50m (pode se fazer com uma, mas e necessário fazer a via até o final e descer pela caminhada) 6 costuras, fitas variadas, Camelots® numero .5, .75, e 2. Descer pela caminhada é melhor do que rapelar. Algumas enfiadas não são muito obvias, as proteções são distantes, por isso croqui é fundamental para quem quiser repeti-la. A caminhada é feito por outra face da montanha, dentro do condomínio Rock Valley, no bairro de Araras. por isso é preciso combinar resgate.

Características: Via fácil com proteções distantes. Via é ideal para quem gosta de fazer escalada em grandes paredes. Todas as paradas são duplas exceto: P6, P21 e P22.

Colaboração: Luis Alberto Cordeiro, Tânia Carvalho, Anita Soares, Marcelo Dias, Leandro Siqueira “Bidu”, Natália, Ricardo Tamella, Alessandro Emerson, Fabíola, João Henrique “Ike”, Daniela Cordeiro, Ceni Fernandes.

Agradecimentos: Mario Arnaud (Casa do Montanhista), Bito Meyer (Conquista), João Henrique (Timbuk), Thomas Brasil (Berner Artes), Deusdedithy Cortes e Carlos Soares, (pela furadeira), Bia e Marcos (Restaurante Trigo), Efraim Filho.

Localização: Maria Comprida – Petrópolis – RJ.
A partir de Secretário (região rural de Petrópolis), siga pela estrada da rocinha por 6.3 km aproximadamente, na bifurcação suba a direta, depois de uns 2.5km, existe uma entrada a direita, siga por ela até chegar a porteira, pare o carro e siga a pé. Logo no inicio haverá uma casa a esquerda da estrada, e a frente uma bifurcação, siga a esquerda, vai passar outra porteira, e mais a frente outra casa, logo depois haverá uma pequena ponte, com gramado do lado esquerdo, suba o rio a partir daí. Do rio até a base são mais ou menos uma hora de caminhada.

Croqui


As coordenadas abaixo são aproximadas

 Latitude estrada da Rocinha:  22°19'29.78"S
 Longitude:  43°11'2.61"O

 Latitude porteira:  22°23'23.15"S
 Longitude:   43°11'34.27"O

 Latitude do rio:  22°23'33.95"S
 Longitude:  43°12'0.65"O

 Latitude Base:  22°23'50.54"S
 Longitude:   43°12'6.58"O


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